GRATIDÃO
Desde menina,
um grande homem ensinou-me a olhar para o céu. Sol, arco-íris, estrelas,
estrela cadente, luas incandescentes, pássaros a voar... Voar! Foi com meu pai
que aprendi a voar.
Fatos assim,
se transformados em meras alegorias, podem elucidar clichês em tons de pieguice.
Mas esse não é o caso, porque Osvaldo José dos Santos, o meu amado papai,
ensinou-me, de fato, a voar...
Ainda criança
a ouvir seus conselhos, já percebia que alçar voo seria o maior desafio da vida
e que olhar para o céu, com olhos de fé, de encantamento, de esperança e de
reconhecimento, seria não apenas uma atitude de nobreza, mas o ponto de partida
para se construir o alicerce desse voo.
Já mais
crescida, compreendi, ao olhar nos olhos de meu pai, enxergando cada um dos
exemplos oferecidos por ele, que bater asas seria a consequência de uma vida
bem vivida, construída em terra firme, regada com dignidade, honestidade,
lealdade, amor, alegria, simplicidade, humildade, gratidão e muito, mas muito
trabalho mesmo.
Por isso, cresci
valorizando a Golé. Durante os meus vinte e seis anos, só entraram, em meu lar,
refrigerantes Golé. E, a cada dia, às cinco da manhã, eu podia ver meu pai
preparando-se para o trabalho que, por sinal, sempre foi realizado com muito
amor e com incondicional entrega. Sempre alegre, com atitudes e pensamentos
positivos, ele saía... enobrecia seus dias com a luta e com a perseverança
próprias à vontade de servir. Ali, antes mesmo de todos os galos nos acordarem
cantando, lá estava meu pai esboçando palavras de otimismo, respeito e gratidão
nos bloquinhos de papel da Golé... ao começar o dia na empresa, ele colaboraria
com a experiência adquirida e com o sólido desejo de realizar! Seu lema sempre
foi: “Bebeu Golé, bebeu saúde!” Todas as gerações de minha família – aquelas
que tenho tido a oportunidade de acompanhar – reproduzem esse lema desde cedo.
Prova maior disso é ouvir meu priminho, aos três anos e com a doçura de um
pequeno aprendiz, dizer: “Bebeu Golé, bebeu saúde!” Toda essa lealdade, toda
essa entrega foram as sementes das quais brotaram verdadeiros laços de amizade,
de companheirismo, de cuidado. Uma família honrosa, lapidada com amor e
carinho... uma família que sempre significou apoio, esteio.
Família...
Osvaldo José dos Santos, acima de tudo, consagrou-se à família: marido
dedicado, amoroso, companheiro, pai exemplar. Considero-me uma pessoa
extremamente privilegiada, pois meus pais sempre foram batalhadores por
excelência. Minha mãe... muito doce, honesta, solidária e humilde, também, em
todos os seus dias, dedicou-se a nós e ao trabalho. A união dos dois foi
extremamente valiosa, a ponto de eu enxergar, nas atitudes de minha mãe, o que
enxergava nas ações de meu pai. Tudo na mesma e, por que não dizer, exata
medida.
Sabendo, dessa
maneira, o que significam as palavras sintonia e cumplicidade, cresci
valorizando, também, a Xerri Moda Íntima. Ali, sempre tivemos carinho,
consideração, respeito, auxílio. Uma outra família que, de coração para
coração, iluminou-nos com a luz da solidariedade e da compreensão mútua...
Vivenciar
alianças... essa experiência foi preenchendo o meu ser a cada novo ano de vida,
porque, na realidade alicerçada por meu pai, o simbolismo de aliança foi
edificado em pilares de grandes verdades: “Na vida, minha filha, o homem
precisa ter família e amigos”, ele sempre dizia. E amigos, na travessia deste
grande homem, foram conquistados a cada instante. Ele sempre ofereceu a todos
eles a segurança de sua autenticidade e a clareza de suas intenções. Homem de
personalidade marcante, envolvida pelo frescor dos caminhos do bem, enlaçou
corações em todas as trilhas de seu trajeto... um verdadeiro colecionador de
corações... um homem com o coração do tamanho do mundo.
Aos pés dessa
realidade bem vivida, bem delineada ao meu redor, já mais moça e mais madura,
digo que aprendi a lição maior: o desafio das provas da vida. Poder voar
significa, muitas vezes, cair e recomeçar. Meu pai, diante de suas quedas,
ergueu-se e recomeçou sempre... sempre...
Dessa forma,
de julho de 2011 a junho de 2012, o ano derradeiro, ao olhar nos olhos de meu
pai, todas as lições mencionadas anteriormente foram, com vigor e vigília,
reafirmadas. As intempéries chegaram de repente... e, mais que de repente,
vivenciei a fortaleza estruturada no espírito de um homem de bem... Ele sofreu
muito, foi arrebatado por uma prova que suscitava paciência diária, resignação,
aceitação, confiança, esperança e, mais que tudo, muita fé. Tantos foram os
obstáculos... tantas foram as dores! Não houve reclamações nem revoltas. À noite,
em meio ao silêncio do sono, eu acordava e sempre o escutava dizer, bem
baixinho: “Deus, me ajuda! Nossa Senhora da Guia, me ajuda!”
Difícil...
porém toda a dificuldade foi enfrentada com dignidade imensurável... não
existiram urros de dor. Ele poupou a todos. Apenas ouvi de meu pai suas preces
infindáveis muitas vezes proferidas, silenciosamente, através de um olhar que
clamava por misericórdia!
Sempre
estivemos de mãos dadas, sempre estivemos juntos. Segurei as mãos de meu pai
enquanto pude, todos nós as seguramos: minha mãe, meu irmão, meus avós, minhas
tias, meus tios, meus primos, todos os amigos. E, compartilhando ternura,
vencemos muita coisa. Sempre fomos guiados pelo amor... um amor incondicional,
sublime, recheado com doçura.
Nesses
momentos de dor, não poderia me esquecer, então, dos vários médicos,
enfermeiras e enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas que nos auxiliaram.
Todos foram fundamentais na travessia dessa vereda mais obscura. Todos
acenderam a luz das pontes necessárias à continuidade do percurso.
Mas... Não! Não
começarei um novo parágrafo com um porém...
... um dia...
um dia, que ainda possui contornos de “hoje” em minha memória, meu pai escolheu
partir. E essa noção de escolha, de decisão, foi mais uma das que permearam
toda a sua jornada desde os tempos de menino. Ele foi um homem de decisão.
Nunca fez com o outro o que não gostaria que fizessem com ele... sempre foi
justo, reto, objetivo...
Não julgo sua
escolha. Presenciei a luta de um homem de coragem, de um guerreiro. Ele decidiu
partir. Chegou ao limite dos limites. Suportou muito. É claro que essa não foi
uma escolha fácil... nós ficamos por aqui. De repente, encontrei-me lançada no
abismo da irreversibilidade, jogada no caos da despedida, experimentando, a
contragosto, a acidez da perda. Fiquei sem chão...
Foi, então,
que, ao acordar depois de um mês e catorze dias, ao avistar um céu pintado de
azul e com Deus conversar, percebi: durante toda a minha vida, meu pai lutou
para construir essa tal realidade bem vivida e, dessa maneira, presenteou-me
com a dádiva de voar. Em meio à perda e aos pedaços de meu coração, voei...
estou voando com as asas do amor que vivemos, com a força da esperança transmitida
por ele, com o impulso de todas as lições e de todos os valores semeados, em
minha alma, por um pai brilhante... um campeão! Com ele, com minha mãe, com
nossas “famílias”, aprendi tudo o que pude até aqui. Continuarei aprendendo
sempre... preciso... sei disso!
Hoje, quando
olho para o céu, percebo que a terra firme, lavrada e cultivada por meu pai,
está, na verdade, dentro de mim... Portanto, quando sem chão fico, tenho a
bênção de poder voar e, junto aos pássaros do céu, às estrelas, ao sol e à lua,
contemplo, no horizonte, a esperança de um novo recomeço... para ele... para
mim... para todos nós...
A extensão dos
56 anos vividos, intensamente, por Osvaldo José dos Santos repousa no infinito,
pois estaremos aprendendo com ele a cada fração de segundos. Basta oferecermos
atenção às nossas atitudes, às nossas escolhas, às batidas do nosso coração. Os
frutos dessa semeadura de bem se estenderão às tantas famílias conquistadas por
sua esposa, Creusa Helena, por seus filhos, Ana Paula e Bruno, por seus
familiares e amigos. Somos todos, de alguma forma, os seus descendentes! Nós o
amaremos eternamente!
Por tudo isso,
seriam muitas as laudas nas quais eu registraria os nomes das pessoas que nos
ajudaram. Assim sendo, para não correr o risco de não me lembrar de alguém,
expresso, de maneira universal, a minha, a nossa tão grande gratidão. Agradeço,
primeiramente, a Deus, que sempre nos cobriu de graças e que acolheu, com
bondade infinita, na Pátria Celestial, o meu querido papai... E, em nome de meu
pai, de minha mãe e de meu irmão, agradeço também, de coração, a todos que
estiveram conosco, direta ou indiretamente, nessa caminhada: familiares
consanguíneos, familiares que Deus nos permitiu escolher – os amigos -,
médicos, enfermeiras e enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas, os amigos
de trabalho da Golé, da Xerri, da Secretaria Municipal de Educação e Cultura,
da CODIUB...
Decidi
agradecer assim: com palavras! Agradeço por tudo! Sei que meus tão companheiros
vocábulos ficaram perdidos por dias, despedaçados no vazio da minha tristeza...
No entanto, com fé, espero, timidamente, ser capaz de honrar a alegria de meu
pai ao me chamar de “boiadeira de palavras”!
Fica aqui a
minha profunda gratidão. A todos... muito obrigada!!
Ana
Paula da Silva Santos
09/08/2012