quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

(Cora Coralina)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012



O FUTURO É A ESPERANÇA DO PASSADO E A NECESSIDADE DO PRESENTE.

(AMIGO DE LUZ)




  











Poema meuzinho

Conheces a multidão?
Passa sempre por mim
um estranhamento qualquer,
nos revezes da emoção,
ausência perdida,
entregando-se à fé.
Hoje, moro.
Amanhã, resido.
Um dia, fuja talvez.
Mas sempre sou
de vento a vento
o que qualquer catavento
rodopiando estaria:
gotícula miúda;
semente soterrada;
uma esperança de broto
que insistiu pra nascer
na terra de meu pai,
no sonho de minha mãe.
Uma vez concebida
hoje não mais menina
quem sabe quando mulher...
penso, já na multidão,
antes de tudo conhecer,
presenciar o original:
reconhecer papel em branco
e, com lápis desapontado,desenhar
um preenchimento
uma existência
uma identidade desconhecida,
uma vontade
rumo à lágrima caída
sustentar...
no caminho de frente,
a criança dormida...
na rua estreita,
uma estranha crescida,
nos escombros de vida,
escapando à euforia,
quando, na noite vazia,
precisa ouvir o coração!
Silêncio, por favor...

(Ana Paula da Silva Santos)

GRATIDÃO


Desde menina, um grande homem ensinou-me a olhar para o céu. Sol, arco-íris, estrelas, estrela cadente, luas incandescentes, pássaros a voar... Voar! Foi com meu pai que aprendi a voar.
Fatos assim, se transformados em meras alegorias, podem elucidar clichês em tons de pieguice. Mas esse não é o caso, porque Osvaldo José dos Santos, o meu amado papai, ensinou-me, de fato, a voar...
Ainda criança a ouvir seus conselhos, já percebia que alçar voo seria o maior desafio da vida e que olhar para o céu, com olhos de fé, de encantamento, de esperança e de reconhecimento, seria não apenas uma atitude de nobreza, mas o ponto de partida para se construir o alicerce desse voo.
Já mais crescida, compreendi, ao olhar nos olhos de meu pai, enxergando cada um dos exemplos oferecidos por ele, que bater asas seria a consequência de uma vida bem vivida, construída em terra firme, regada com dignidade, honestidade, lealdade, amor, alegria, simplicidade, humildade, gratidão e muito, mas muito trabalho mesmo.
Por isso, cresci valorizando a Golé. Durante os meus vinte e seis anos, só entraram, em meu lar, refrigerantes Golé. E, a cada dia, às cinco da manhã, eu podia ver meu pai preparando-se para o trabalho que, por sinal, sempre foi realizado com muito amor e com incondicional entrega. Sempre alegre, com atitudes e pensamentos positivos, ele saía... enobrecia seus dias com a luta e com a perseverança próprias à vontade de servir. Ali, antes mesmo de todos os galos nos acordarem cantando, lá estava meu pai esboçando palavras de otimismo, respeito e gratidão nos bloquinhos de papel da Golé... ao começar o dia na empresa, ele colaboraria com a experiência adquirida e com o sólido desejo de realizar! Seu lema sempre foi: “Bebeu Golé, bebeu saúde!” Todas as gerações de minha família – aquelas que tenho tido a oportunidade de acompanhar – reproduzem esse lema desde cedo. Prova maior disso é ouvir meu priminho, aos três anos e com a doçura de um pequeno aprendiz, dizer: “Bebeu Golé, bebeu saúde!” Toda essa lealdade, toda essa entrega foram as sementes das quais brotaram verdadeiros laços de amizade, de companheirismo, de cuidado. Uma família honrosa, lapidada com amor e carinho... uma família que sempre significou apoio, esteio.
Família... Osvaldo José dos Santos, acima de tudo, consagrou-se à família: marido dedicado, amoroso, companheiro, pai exemplar. Considero-me uma pessoa extremamente privilegiada, pois meus pais sempre foram batalhadores por excelência. Minha mãe... muito doce, honesta, solidária e humilde, também, em todos os seus dias, dedicou-se a nós e ao trabalho. A união dos dois foi extremamente valiosa, a ponto de eu enxergar, nas atitudes de minha mãe, o que enxergava nas ações de meu pai. Tudo na mesma e, por que não dizer, exata medida.
Sabendo, dessa maneira, o que significam as palavras sintonia e cumplicidade, cresci valorizando, também, a Xerri Moda Íntima. Ali, sempre tivemos carinho, consideração, respeito, auxílio. Uma outra família que, de coração para coração, iluminou-nos com a luz da solidariedade e da compreensão mútua...
Vivenciar alianças... essa experiência foi preenchendo o meu ser a cada novo ano de vida, porque, na realidade alicerçada por meu pai, o simbolismo de aliança foi edificado em pilares de grandes verdades: “Na vida, minha filha, o homem precisa ter família e amigos”, ele sempre dizia. E amigos, na travessia deste grande homem, foram conquistados a cada instante. Ele sempre ofereceu a todos eles a segurança de sua autenticidade e a clareza de suas intenções. Homem de personalidade marcante, envolvida pelo frescor dos caminhos do bem, enlaçou corações em todas as trilhas de seu trajeto... um verdadeiro colecionador de corações... um homem com o coração do tamanho do mundo.
Aos pés dessa realidade bem vivida, bem delineada ao meu redor, já mais moça e mais madura, digo que aprendi a lição maior: o desafio das provas da vida. Poder voar significa, muitas vezes, cair e recomeçar. Meu pai, diante de suas quedas, ergueu-se e recomeçou sempre... sempre...
Dessa forma, de julho de 2011 a junho de 2012, o ano derradeiro, ao olhar nos olhos de meu pai, todas as lições mencionadas anteriormente foram, com vigor e vigília, reafirmadas. As intempéries chegaram de repente... e, mais que de repente, vivenciei a fortaleza estruturada no espírito de um homem de bem... Ele sofreu muito, foi arrebatado por uma prova que suscitava paciência diária, resignação, aceitação, confiança, esperança e, mais que tudo, muita fé. Tantos foram os obstáculos... tantas foram as dores! Não houve reclamações nem revoltas. À noite, em meio ao silêncio do sono, eu acordava e sempre o escutava dizer, bem baixinho: “Deus, me ajuda! Nossa Senhora da Guia, me ajuda!”
Difícil... porém toda a dificuldade foi enfrentada com dignidade imensurável... não existiram urros de dor. Ele poupou a todos. Apenas ouvi de meu pai suas preces infindáveis muitas vezes proferidas, silenciosamente, através de um olhar que clamava por misericórdia!
Sempre estivemos de mãos dadas, sempre estivemos juntos. Segurei as mãos de meu pai enquanto pude, todos nós as seguramos: minha mãe, meu irmão, meus avós, minhas tias, meus tios, meus primos, todos os amigos. E, compartilhando ternura, vencemos muita coisa. Sempre fomos guiados pelo amor... um amor incondicional, sublime, recheado com doçura.
Nesses momentos de dor, não poderia me esquecer, então, dos vários médicos, enfermeiras e enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas que nos auxiliaram. Todos foram fundamentais na travessia dessa vereda mais obscura. Todos acenderam a luz das pontes necessárias à continuidade do percurso.
Mas... Não! Não começarei um novo parágrafo com um porém...
... um dia... um dia, que ainda possui contornos de “hoje” em minha memória, meu pai escolheu partir. E essa noção de escolha, de decisão, foi mais uma das que permearam toda a sua jornada desde os tempos de menino. Ele foi um homem de decisão. Nunca fez com o outro o que não gostaria que fizessem com ele... sempre foi justo, reto, objetivo...
Não julgo sua escolha. Presenciei a luta de um homem de coragem, de um guerreiro. Ele decidiu partir. Chegou ao limite dos limites. Suportou muito. É claro que essa não foi uma escolha fácil... nós ficamos por aqui. De repente, encontrei-me lançada no abismo da irreversibilidade, jogada no caos da despedida, experimentando, a contragosto, a acidez da perda. Fiquei sem chão...
Foi, então, que, ao acordar depois de um mês e catorze dias, ao avistar um céu pintado de azul e com Deus conversar, percebi: durante toda a minha vida, meu pai lutou para construir essa tal realidade bem vivida e, dessa maneira, presenteou-me com a dádiva de voar. Em meio à perda e aos pedaços de meu coração, voei... estou voando com as asas do amor que vivemos, com a força da esperança transmitida por ele, com o impulso de todas as lições e de todos os valores semeados, em minha alma, por um pai brilhante... um campeão! Com ele, com minha mãe, com nossas “famílias”, aprendi tudo o que pude até aqui. Continuarei aprendendo sempre... preciso... sei disso!
Hoje, quando olho para o céu, percebo que a terra firme, lavrada e cultivada por meu pai, está, na verdade, dentro de mim... Portanto, quando sem chão fico, tenho a bênção de poder voar e, junto aos pássaros do céu, às estrelas, ao sol e à lua, contemplo, no horizonte, a esperança de um novo recomeço... para ele... para mim... para todos nós...
A extensão dos 56 anos vividos, intensamente, por Osvaldo José dos Santos repousa no infinito, pois estaremos aprendendo com ele a cada fração de segundos. Basta oferecermos atenção às nossas atitudes, às nossas escolhas, às batidas do nosso coração. Os frutos dessa semeadura de bem se estenderão às tantas famílias conquistadas por sua esposa, Creusa Helena, por seus filhos, Ana Paula e Bruno, por seus familiares e amigos. Somos todos, de alguma forma, os seus descendentes! Nós o amaremos eternamente!
Por tudo isso, seriam muitas as laudas nas quais eu registraria os nomes das pessoas que nos ajudaram. Assim sendo, para não correr o risco de não me lembrar de alguém, expresso, de maneira universal, a minha, a nossa tão grande gratidão. Agradeço, primeiramente, a Deus, que sempre nos cobriu de graças e que acolheu, com bondade infinita, na Pátria Celestial, o meu querido papai... E, em nome de meu pai, de minha mãe e de meu irmão, agradeço também, de coração, a todos que estiveram conosco, direta ou indiretamente, nessa caminhada: familiares consanguíneos, familiares que Deus nos permitiu escolher – os amigos -, médicos, enfermeiras e enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas, os amigos de trabalho da Golé, da Xerri, da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, da CODIUB...
Decidi agradecer assim: com palavras! Agradeço por tudo! Sei que meus tão companheiros vocábulos ficaram perdidos por dias, despedaçados no vazio da minha tristeza... No entanto, com fé, espero, timidamente, ser capaz de honrar a alegria de meu pai ao me chamar de “boiadeira de palavras”!
Fica aqui a minha profunda gratidão. A todos... muito obrigada!!



Ana Paula da Silva Santos
09/08/2012